Opinião

Paternidade socioafetiva:
a parentalidade do afeto

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13 de agosto de 2023, 9h23
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"Pai é quem cria!" Quem nunca ouviu esta frase? Pois é, para o direito brasileiro esta afirmação é verdadeira e encontra respaldo no Código Civil.

Com a evolução da dinâmica social que culminou na saída das mulheres do seio doméstico e ingresso no mercado de trabalho, conjuntamente com a desestigmatização do sexo e, também, do divórcio, em especial para a mulher, o número de famílias que vêm se formando com a existência de filhos de relacionamentos prévios têm aumentado exponencialmente.

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Se a união não obriga o padrasto ou a madrasta a assumirem o papel de pai e mãe, pode ocorrer que o amor dedicado a este novo parceiro(a) o transcenda e transborde para filhos pré-existentes ao relacionamento, encontrando guarida nesses.

Se isto ocorrer, surge a possibilidade de ser reconhecida a paternidade socioafetiva, que independe dos laços consanguíneos e que ganha contornos relevantes na dinâmica social das famílias do século 21.

Se por um lado, para a mulher, a dádiva de gerar a vida em seu ventre cria um laço e uma conexão desde a concepção quando o corpo começa a mudar e se transformar para que ali floresça a vida; para o homem, é no nascimento que as cores vivas da paternidade realmente despertam.

Assim, pouco importa que o filho seja biologicamente vinculado ao homem que o gerou ou não, pois é a partir do nascimento que este vínculo existente entre o pai e o filho consegue atingir o mesmo patamar daquele que já existia no útero materno. Dessa forma, porque seria diferente se este vínculo surgisse a partir do convívio diário, que não se iniciou imediatamente após o nascimento, mas sim no curso da vida?

A paternidade, para aquele que a deseja, é; um exercício diário de doação, entrega, de dizer sim, de estar presente, de aceitar o desconhecido que foi gerado no ventre de outrem e agora anseia por amor, carinho e dedicação.

É sentir um amor incondicional e sem limites, que nos ensina a amar, perdoar, compreender, ter tolerância e não pedir ou desejar nada em troca. É querer sempre fazer o melhor e se questionar diariamente se o caminho percorrido é o correto ou não. Algo que apenas o tempo dirá.

Mas além de tudo, é mais do que isso: é encontrar a correspondente sinalagmática no outro. É se ver como pai e ser também assim reconhecido pelo filho.

E sob este aspecto, a diferença entre o filho gerado pelos genes do pai, e aquele não gerado por estes, existe apenas no campo da ciência e na análise dos segmentos do DNA. No campo do amor e do afeto estas diferenças não existem ou, se existem, não são visíveis aos olhos de quem ama.

Exatamente por este motivo, a nossa legislação evoluiu e desde a entrada em vigor do Código Civil de 2002 e, há mais de 20 anos, é reconhecido expressamente na lei que o parentesco pode ser natural ou civil, seja pela consanguinidade ou por outra origem, nos termos do artigo 1.593, CC.

Este reconhecimento que está inserido na lei civil brasileira, deriva do Princípio da Afetividade, que alterou a ótica patrimonial sobre a qual a família era vista por uma ótica pautada no amor, reconhecendo que a família não existe sem afeto, contrariando a legislação antecedente onde a análise do parentesco era determinada especialmente pelo caráter consanguíneo e pelo matrimônio, de modo a existir a diferenciação entre os filhos legítimos e os anteriormente denominados ilegítimos.

Felizmente, referida diferenciação além de ter sido extirpada da legislação, ainda abriu o caminho para a existência da filiação socioafetiva, a qual pode ser exercida de maneira voluntária por aquele que ama outrem e o reconhece como seu filho.

O reconhecimento da paternidade socioafetiva pode ser realizado de forma extrajudicial, desde que haja manifestação expressa da mãe, do pai e do filho, se maior de 12 anos completos. No caso de o filho ser menor de 12 anos, o reconhecimento depende de análise judicial para salvaguardar os direitos do infante.

Uma vez realizado o reconhecimento da paternidade socioafetiva, haverá a alteração no registro de nascimento para que seja alterado ou incluído o nome do pai e dos avós paternos, que passarão a integrar a família do novo filho.

Ademais, é importante ressaltar que o filho reconhecido pelo afeto em nada se diferencia do filho biológico, seja nos seus direitos ou deveres, inclusive para fins sucessórios, sendo o ato de reconhecimento irrevogável.

Como se percebe, este instituto jurídico tão relevante, que representa o triunfo do amor sobre o patrimônio, possibilita que vínculos construídos pelo afeto tenham proteção legal e possam trazer igualdade de direitos a todos que se amam.

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    é advogado, graduado pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) sócio do Ribeiro e Cury Sociedade de Advogados, especializado em Direito Civil com foco na atuação de causas envolvendo Direito de Família e Sucessões.

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